Caminho de Santiago • Parada Estratégica

Parada Estratégica Número Um • Peregrinos

O termo peregrino foi cunhado aqui mesmo, no Caminho de Santiago. Vem do latim per agri, que significa pelos agros, pelos campos. Servia para diferenciar os que iam a Compostela dos romeiros, que iam a Roma e dos palmeiros, que iam a Jerusalém. Apesar de tentarem nos chamar de concheiros, a verdade é que o que a gente é é peregrino mesmo!

A gente, no começo, vinha vestido com roupas do dia a dia, mas com o tempo, fomos escolhendo uma maneira diferente de se vestir, para diferenciar dos não-peregrinos. Como o trajeto era longo, começamos a levar um agasalho, para nos proteger da chuva e do frio. Um chapéu redondo foi também muito útil. Não importava se era velho ou novo. Na verdade, quanto mais surrado e demonstrador de desapego, melhor.

Nosso cajado, que às vezes chamamos de bordão, funciona bastante quando andamos à pé, mas o que nos diferencia de todos os outros, o que nos identifica como peregrinos, é a vieira, aquela concha, que existe lá na Galícia e que, às vezes com uma cruz de Santiago pintada, demonstra nosso destino, nossa missão.

A gente gosta de ficar em albergues, que o povo do Caminho preparou prá gente. É mais barato e sempre tem um hospitaleiro para tomar conta de nossas ansiedades, dar-nos repouso e guarida. É bom mesmo, porque a gente anda por onde nunca esteve antes, e tudo é novo e desconhecido. A gente realmente depende dos que estão ali para nos ajudar, estes tais hospitaleiros.

Outra coisa que a gente gosta, e muito, é parar de vez em quando e simplesmente conversar ou ouvir as histórias que a gente daqui nos conta. Às vezes são velhinhos, que com seu alforge cjheio de lendas, nos encantam com episódios que nos dão alento para continuar.

Prá não deixar nenhum aproveitador se fazer passar por gente como a gente, colocamos algumas regras. Precisamos levar um passaporte, a Credencial do Peregrino, onde a gente coleta carimbos, os sellos, por todo lugar que a gente passa. A gente anda por aqui de três meios, a pé, de bicicleta ou de cavalo.

Quem anda a pé são os que mais têm paciência, já que demora mais de um mês para completar o caminho. A gente já não usa capas antigas, mas não gosta de muita tecnologia. Um bordão de madeira é decididamente melhor que uma de alumínio, pois fica melhor como nossa terceira perna. Só não abrimos mão de uma boa mochila e de um bom calçado. Alguns de nós preferem tênis, outros botas, mas como é ali onde as bolhas brotarão aos montes, é melhor tomar bastante cuidado. A pé, precisamos percorrer no mínimo cem quilômetros, para recebermos a Compostelana. Parece pouco mas não é não. São de quatro a cinco dias andando...

Nós cavaleiros, somos a minoria. Também, pudera! Levar um cavalo do nosso país de origem, aquele que mais gostamos, é uma dor de cabeça gigantesca. Precisamos deixar o bichinho de quarentena, e isso sai muito caro. Meio a contragosto, acabamos comprando um animal de lá mesmo, aqueles dos Pirineus. É difícil inclusive achar lugar para os cavalos, já que a maioria dos lugares nem se incomoda com o bem-estar dos pobrezinhos. A gente anda mais ou menos na mesma toada do peregrino a pé, de modo que precisamos também de cem quilômetros para sermos peregrinos. Mesmo assim, é difícil, mas quem gosta de cavalos, como nós, não troca esta experiência por nada deste mundo...

Já a gente que curte um pedal, têm que fazer um mínimo de duzentos quilômetros, o que não é tento assim para uma bicicleta. Dá prá fazer em quatro dias. De todos os peregrinos somos os mais futuristas! Sempre com capacetes, óculos, roupas estilo eco-challenge, a gente curte uma velocidade e vêm principalmente pelo que o esporte proporciona. Trazemos nossas bikes de casa, exatamente aquela que a gente já conhece e gosta.

A gente começa o Caminho de infinitos lugares. Se a gente mora na Europa, podemos começar inclusive da porta de nossas casas... Normalmente, a gente vai pela pelo Caminho Português, pelo Caminho Francês ou Aragonês ou ainda o do Norte. A gente vai por estas rotas mais famosas porque têm mais hospitaleiros e refúgios, e se a gente se complicar, sempre tem uma seta amarela para nos indicar o caminho certo.

E um dia, um belo dia, a gente chega em frente à Catedral. Depois de tanto andar, assistimos a uma missa onde dizem de onde viemos e quem somos e somos reconhecidos peregrinos. É muito bom.

Claro, quem percorre o Caminho uma vez, mais dia ou menos dia, acreditem na gente, vai percorrer de novo...