Caminho de Santiago • Pedalada Número Nove • No Meio do Caminho Tinha Um Mouro

De Sahagun até León, num trajeto de 55,86 km, numa média de 18,2 km/h, com variação de altitudes desde 800 m a 850 m.

Dia de sol, finalmente! Cada vez mais próximos de Santiago e aproveitando os dois dias de pedalada mais leve que teríamos, fomos felizes até León. Passamos ainda em Sahagun pelo arco de San Benito, na saída de cidade, quase nos perdemos de tantas vielas que havia por ali, mas seguimos os peregrinos a pé e logo estávamos na estrada de novo... Seguimos pelo mesmo tipo de caminho do dia anterior, monótono e sem muitas atrações turísticas a não ser o próprio Caminho...

A monotonia continuava e foi a vez de um casal de peregrinos a cavalo tornar-se atração turística. Era raro vê-los e atiçava a curiosidade entender por que levar um cavalo por caminhos tão longos e distantes. Os cavalos, com um tédio profundo, ficavam a mastigar uns brotos de trigo de uma plantação à beira do caminho.

Passamos por Bercianos e daí por Burgo Ranero. Atravessamos uma estrada de ferro que servia mais como uma quebra da mesma eterna paisagem desta Terra de Campos. Em Bercianos, ávidos por algo diferente, paramos, eu e o João, para pedir informação a uma velhinha e ela, prontamente, veio ao nosso encontro e disparou a falar, ao que me parece um costume dos anciãos daquelas paragens... Contou-nos que por ali já foi terra de mouros, mas que agora todos foram embora. Ainda hoje, de vez em quando, ela encontra moedas mouras, quando prepara a terra para o plantio.

Contou-nos ainda que, no tempo em que era guapa e jovem (há muito, muito tempo atrás...), em que ainda tinha seus dentes que um dentista (que ela maldizia o tempo todo) destruiu, um meteoro caiu ali, pela indicação dela, num terreno baldio cercado por uma grade. Disse que foi um barulhão e a cidade foi notícia na Espanha toda. Agora, o meteoro repousa num museu em Madri. Mas isso foi há muito, muito tempo atrás, há mais de cinquenta anos. Como as notícias e acontecimentos não devem ser muitos nesta região, a pedra do espaço ainda povoava as lendas e , como estrela cadente, serve para indicar que aquele lugarejo faz parte do Caminho das Estrelas, tanto que algumas até caem ali...

Almoçamos em Mansilla de las Mulas e rumamos prá León, para chegar cedo e conhecer melhor aquela que provavelmente seria a mais bela de todo o Caminho... Chegamos com sol e tempo para se aproveitar o lugar. Ficamos num hotel agradável, pertinho da praça da Catedral, monumento maior da cidade. tomei banho rapidinho e peguei minha câmera para registrar a bela cidade.

O frio estava razoável, mesmo com sol, mas não impedia o passeio por ali. Tirei algumas fotos do exterior da catedral, já que no interior não era permitido, visitei o hospital de San Marcos, agora transformado em parador. A catedral, conhecida como la Pulchra Leonina, impressiona tanto por seu exterior imponente, como pelo interior, repleto de vitrais, que inundam de cores os visitantes e as imagens de santos e papas que povoam as paredes.

Perambulando-se pela cidade, percebe-se que por aqui corre sangue mouro. Tanto nas veias dos locais como pelas calçadas. Uma breve observação permite encontrar sobrancelhas unidas, pele mais morena, narizes e feições norte-africanas, que evidenciam a longa briga entre mouros e cristãos, entre cruzados e sarracenos, dos séculos VII a XI, onde a cidade mudava de dono como mando de jogo de futebol em campeonato. Talvez porisso mesmo seja tão fortificada e com construções de cunho fortemente cristão, para tentar espantar os fantasmas mouros que continuam a vagar por ali. As estátuas de pessoas em poses normais, que aparecem aqui e ali, são de cor negra, talvez mais uma manifestação do subconsciente mouro deste povo.

Em León assisti à missa, numa das capelinhas que ficam dentro da catedral. Como não sou católico, ficava prestando atenção à hora em que todos levantavam, respondiam ao padre (todo microfonado...) e se cumprimentavam. O interessante era que mesmo uma capelinha tinha vitrais e esculturas de alta qualidade, evidenciando quão bela era e é aquela cidade, a capital da província e provavelmente local de casório de muitos reis e rainhas.

A cidade é chique (chique no úrtimo...) e com várias opções de alimentação, acesso à internet no mesmo hotel que estávamos, permitiu um descanso para o corpo e a mente muito apreciado. O jantar tranquilo e o tour forçado que o Paulinho nos levou, quase se perdendo no caminho de volta ao hotel deixáva-nos leves, quase sem perceber que a temperatura (havia chovido um pouquinho no cair da noite) estava próxima de zero grau. A Malena tremia de frio, mas como ela fazia isto o tempo inteiro, a gente nem ligou muito, prá desespero dela...